ARTE NO PAIOL 1

ARTE NO PAIOL 1

Para se ter acesso ao trabalho do artista Van Gogh não é necessário saber sua data de nascimento, a sua formação ou mesmo a escola ao qual poderia estar associado. Basta o olhar, ou melhor, que seja aceito o convite ao olhar, que se esteja disposto a ser atingido e invadido por suas cores tão violentamente conquistadas.A cena se fosse descrita, seria de uma infinita simplicidade: o interior de um café. Entretanto, o primeiro confronto já é suficiente para transpor a ilusão de qualquer simplicidade previamente designada. Cada personagem é único e múltiplo em sua própria existência, compartilhada em um tempo não limitado pelo relógio que marca as horas e as destaca do dia ou da noite ao impedir seu acesso à região interna do café.Um artista como Van Gogh persegue a visualidade expressiva com a própria vida, faz do seu ofício um comprometimento, uma missão de destituição da composição de qualquer impressão que possa interferir no domínio da realidade. Seus quadros não são sensações, não são visões, são lugares de existência, como as figuras reunidas no interior do café que tocadas pelo calor da luz, tem toda a sua angústia revelada.

No canto esquerdo, a conversa de um casal parece não afetar o homem desvanecido na mesa ao lado, embriagado pela bebida e por seus íntimos pensamentos. Nas mesas que se seguem, apenas o vestígio da passagem de pessoas, convertidas em copos usados e em garrafas aleatoriamente distribuídas pela mesa. No lado oposto têm-se repetidas as cadeiras, as mesas, as garrafas, os copos e principalmente, as figuras, também imersas em seus privados devaneios. Ao centro uma mesa de sinuca, responsável pela profundidade da cena, levemente deslocada em diagonal cria a noção de espaço interno, em um crescendo para dentro. Ao observador é permitido uma visão privilegiada, como se esse se colocasse um pouco acima do ponto de vista normalmente assumido ao se cruzar pela porta do local. Esse bar, assim como vários outros da época em Paris, representaram por muito, uma espécie de abrigo inexistente à prostitutas e bêbados, que desprovidos de residência, passavam ali suas noites, em uma alternância de experiências existentes entre um copo e o próximo.

A atmosfera inerte e paralisada é resultado da justaposição das pinceladas que riscam como espátulas o plano e se inserem oscilantes na estruturação da realidade, delineando os vultos através de um vigoroso contraste entre a forma e aquilo que é por ela formada. Seu quadro é na verdade o que se entende por inércia em seu sentido de permissividade a atuação de forças externas, neste e nos demais trabalhos do artista holandês, toda a somatória de forças vem do seu interior, do ímpeto de cada pulsação desdobrada entre todos os elementos presentes no espaço.

As pinceladas são grossas e espessas, marcam a superfície do quadro na mais alta crueza. São cores, são formas, mas são igualmente matérias, matérias essas que integram os contornos dos personagens e dos elementos ao seu destino pictórico, que nada mais é, que a pura realidade.

Gisele
Guedes, 
mestranda em História da Arte pela Escola de Belas Artes/UFMG, membra do grupo de Pesquisa em História da Arte Memória das Artes Visuais em Belo Horizonte.

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