CARNAVAL II DI CAVALCANTI

CARNAVAL II DI CAVALCANTI

É chegado o carnaval, época de relembrar as referências basilares das artes plásticas brasileiras e encher a cara. Vamos então com o Rei Momo do Modernismo, nosso Di Cavalcanti _ ou Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo _ para os íntimos.

Didi (apelido carinhoso entre compadres) nasceu no Rio de Janeiro em 1897 e foi desenhista, caricaturista, pintor, muralista, ilustrador, carioca e modernista. Um Boa Praça em geral.

Figura inevitável de nossa arte que junto a outros sujeitos distintos organizou a Semana da Arte Moderna em 1922. Evento grandioso, importantíssimo, revolucionário e facilmente pesquisável.

Como todo carioca Di Cavalcanti não se furtava de enaltecer as belezas de sua terra sempre que possível (ao estilo Fernanda Abreu). E também como todo carioca de sua época, foi amigo de uma ampla gama de figuras notáveis da fauna boêmia local, incluindo Vinicius de Moraes, que dedicou estes versos ao pintor:

“… Que bom que existas, pintor Enamorado das ruas Que bom vivas, que bom sejas Que bom lutes e construas Poeta o mais carioca Pintor o mais brasileiro Entidade mais dileta Do meu Rio de Janeiro – Perdão meu irmão poeta Nosso Rio de Janeiro”

Toda esta moral com a alta pilantragem da época certamente não é desmerecida. Além de sangue bom, este artista aliava vasto repertório de técnicas vanguardistas trazidas fresquinhas da Europa (ele era considerado por uns caras tipo Matisse e Picasso também) a um atento olhar para as mazelas sociais do país. Se sua especialização é em “Rio de Janeiro”, sua graduação é em “Brasil e brasilidades” e entre os temas preferidos deste formoso bon vivant logicamente figura o carnaval.

Eis o sujeito se pronunciando acerca da folia:

“No carnaval eu sempre senti em mim a presença de um demônio incubo que se desvendava como um monstro, feliz por suas travessuras inenarráveis. É uma das formas de meu carioquismo irremediável e eu me sinto demasiadamente povo nesses dias de desafogo dos sentimentos mais terrivelmente terrenos de meu ser…”

Ou seja: “gosto de quebrar o pau”.

E é em ritmo de pau-quebrantagem que vamos dar uma analisada marota em sua célebre obra ”Carnaval II” de 1965:

Logo à primeira olhada somos tomados pelo ritmo frenético da obra. As cores vibrantes garantem todo o impacto e turbulência que não deixam nossos olhos descansarem e convidam a adentrar esta grande celebração do hedonismo.

Em primeiro plano um cavalheiro de cartola nos fita com uma cara de “vai dar ruim”, já adiantando o provável desfecho deste e de todos os carnavais. Enquanto isso a moça a frente liga o “foda-se” e acha que ali é um bom contexto para equilibrar um cesto na cabeça, enquanto outra ao lado vende frutas, que é o que o pessoal consome no carnaval mesmo.

Do lado oposto da obra temos outro cavalheiro elegantemente vestido de terno, observando placidamente toda a balbúrdia enquanto contempla essa coisa doida que é a existência humana, onde um dia se chora para ganhar o pão e no outro se comemora, como se a passageira euforia dos ébrios fosse capaz de dar significado a esta existência desgraçada a que chamamos “vida”. Outra teoria difundida é que ele está esperando na fila do banheiro, como toda gente educada faz.

Descendo a escada junto à bela arlequina de vermelho e chapéu de cone, nos deparamos com o fuzuê completo onde foliões seguem em ensandecida marcha descendo rumo à certeza da embriaguez desenfreada. Enquanto nosso olhar segue a rua, estas pitorescas figuras vão se confundindo com as construções que margeam a obra, dando a impressão de que a cidade toda está em festa.

Assim como o Carnaval, esta obra apresenta uma perspectiva esquisita que nos envolve e confunde, introduzindo-nos em um mundo onírico regido pelos prazeres óbvios da festa pagã. A única certeza é que não se entende nada.

Mais do que um retrato de um carnaval específico, o artista nos faz sentir parte da festa, e nos introduz ao estado de espírito adequado para curti-la em puro deleite.

Sendo assim,louvemos Di Cavalcanti! Que reproduziu com maestria uma das nossas mais legítimas manifestações culturais. Salve o Carnaval!

Fera!

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